CANIBAIS
Eles eram
diferentes, sim, muito diferentes de quaisquer outras famílias que conhecessem
e com as quais viessem a conviver e, por causa de sua particularidade, acabavam
tendo que não morar muito tempo em cada canto e já fazia tempo que queriam
descansar, criar finalmente raízes em uma tranquila cidade pequena. Por esta
razão, Josephine, a mãe e Pietro, o pai, haviam decidido que não mais comeriam
carne humana. Claro que eram viciados, mas estavam dispostos a abrir mão do
delicioso vício em troca de sossego.
Há quatro meses
moravam em Santa Cruz do Sudeste, município de três mil habitantes
aproximadamente, cercada por meio rural, muito isolada. Ficavam bem em qualquer
lugar que escolhessem para morar, pois eram comerciantes que se adaptavam às
necessidades da região. Trabalhavam até tarde, voltavam para casa cansados e
iam dormir. Pessoas comuns, não fosse o vício macabro.
Christofer, o
filho mais velho, de cinco, era um galante e bonito rapaz de vinte anos.
Conquistava as meninas da região assim que cruzassem seu caminho pela primeira
vez. Melissa tinha dezessete anos, muito simpática e conversadeira, sempre
pelos cantos com meninos, era a preocupação maior dos pais, que temiam
encontrá-la grávida de uma hora para outra. Júlia, Christian e Stéphanie eram
os menores, com dez, sete e cinco anos de idade.
Compraram uma
casa muito grande, com quintal espaçoso, onde podiam ter gatos e cachorros.
Ficando à apenas uma quadra do imóvel comercial que alugaram para vender suas
mercadorias, era fácil para a família conciliar suas atividades diárias.
Acabaram se
aproximando de uma família vizinha, tornando-se relativamente amigos. A amizade
foi se tornando mais íntima e passaram a conviver cada vez mais. A outra
família também era grande e a casa da família estava cheia de pessoas todas as
noites, jogando cartas, tomando cervejas e as crianças brincando ou largadas
num canto qualquer.
Estava tudo indo
às mil maravilhas, quando um bêbado entrou na casa, pois encontrou a porta
aberta e para ele, pareceu motivo suficiente para que fosse fazer parte da
reunião que acontecia. Ele entrou com uma garrafa de cachaça na mão e uma faca
na outra, dizendo que iria estuprar a primeira "mulherzinha" que
encontrasse ali dentro. Enquanto Pietro, o pai, se maldizia em silêncio por ter
se esquecido de soltar os cães, ia procurando a arma que guardava num canto
escondido da cozinha. O bêbado, mesmo não muito rápido, já estava prendendo a
Melissa, pela cintura. A menina não conseguia se soltar e gritava desesperada,
quando o pai veio em seu socorro, dando seis tiros no bandido, que caiu no
tapete clarinho da sala de estar, manchando-o de sangue.
Todos olhavam
estarrecidos para o cadáver, enquanto a anfitriã ia pensando em como preparar o
homem para um jantar maravilhoso na próxima noite. O marido chamou-a num canto,
pois já havia adivinhado suas intenções pelo olhar nada discreto. Ele não
queria problema com a polícia, matou o homem em legítima honra da filha, que
havia invadido a casa...
___ Meu querido,
___ argumentou ela___ Você sabe como são essas coisas de justiça... Já se
esqueceu da última vez? Além disso, ele parece tão saboroso... essas gorduras,
essa flacidez... E de qualquer forma, dá pena em pensar que desperdício seria.
Não perceberam
que o casal de visitantes estava ali ouvindo tudo.
Diante dos fatos,
Pietro decidiu contar tudo a eles, sobre seu vício, como preparavam carne e
humana e como era delicioso, mas que sabia que isso era uma atitude humana,
comer outros seres humanos. Disse que se entregaria à polícia de qualquer
jeito.
Enquanto o
hóspede simplesmente ouvia, sem saber o que dizer, as mulheres, de mãos dadas,
se dirigiam à cozinha para preparar os temperos para marinar a carne dura do
homem. Josephine estava feliz, encontrou uma amiga que a entendia.
O pai mandou que
os filhos fossem jogar videogame no quarto ou ver televisão, enquanto ele e o
vizinho, agora já totalmente cúmplice, imaginando já o gosto da carne (mas
decidido a não comer a cabeça do homem), o ajudava despindo-o e depois cortando
sua carne em pedaços pequenos.
O trabalho foi
tão cansativo que praticamente dormiram em pé e na manhã seguinte, o comércio
da família abriu a porta mais tarde, para confusão dos clientes, que já estavam
acostumados com a pontualidade para comprar pão para o café.
Mas compensou
magnificamente, pois o jantar estava fabuloso.
Stela, a vizinha,
tomou a liberdade de convidar outras pessoas, levaram bebidas e foi uma
verdadeira festa.
Surpreendentemente
a cidade toda se tornou violenta, muitos homicídios com ocultação de cadáveres,
ou parte deles. E o prefeito, desesperado, mas que já havia provado o gosto da
carne humana, decretou que todos os criminosos seriam sumariamente exterminados,
mas preparados com sofisticação no restaurante mais caro da cidade.
Uma cidade
inteira viciada em carne humana. Quem queria saber de galinhas ou vacas?
Todos queriam
comer, ninguém queria ser comida. Na falta de criminosos, surgiu uma
organização chamada "Vigilantes do crime", saíam armados vigiando
cada canto da cidade, tudo passou a ser crime, inclusive não separar o lixo ou
olhar de forma estranha ou distraída para o lado.
As pessoas
começam a desaparecer misteriosamente, além de serem servidas com mais
frequência. Josephine e Pietro, depois de comerem a última pessoa da cidade
decidiram preparar as malas para se mudarem mais uma vez.
09/10/2013.